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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Crítica - Delirivm em Presidente Prudente







O FENTEPP - Festival Nacional de Teatro de Presidente Prudente
(Foto FMartinez)



30/08/2011

Crítica: “E toda vez que ele passa vai levando alguma coisa minha”



Domingo, 28 de agosto, foi apresentada a peça E toda vez que ele passa vai levando alguma coisa minha, da Delirivm Teatro de Dança, de São Simão – SP, no espaço da antiga Estação Ferroviária de Presidente Prudente.



A entrada para a peça se faz seguindo os trilhos do trem. O caminho é pontuado por velas colocadas estrategicamente, seja para nos guiar, seja para nos alertar dos obstáculos à frente – algo que denota um cuidado gentil com o público, logo de início.



Essa caminhada cria também uma certa expectativa sobre o que se verá adiante. E o espaço convida a levantar o olhar e ver o todo, é inevitável: vê-se como cenário o luminoso “Hotel Portal d'Oeste” e a linha curva, ascendente em suave espiral, de um viaduto movimentado. No espaço da cena, os atores, deitados como dormentes de trilho, em sépia suave. O vestido branco pendurado em um cabide balança, doce, ao vento, como a presença de alguém que queria estar lá.



Os atores ocupam o espaço como crianças de muitos anos atrás – crianças-memória que acordam com a chegada do trem- imaginação. O prazer de cada som, vindo de cada objeto. E há café, e cheira bem. E há um prazer indescritível em se tomar um pequeno gole desse café, e a brincadeira-ritual de tomá-lo. E um cubinho de açúcar para cada – e por que não dois?! E um sequilho nunca derreteu tão saboroso na boca de alguém.



E assim cada ação, cada gesto é brincado tão prazerosamente – tão por si só – que não há como não sentir, junto com eles, o prazer intenso de simplesmente estar ali, compartilhando aquelas belas imagens que o grupo oferece.



Os olhares dos atores têm propriedade – são diretos e verdadeiros; eles se olham e se vêem, não há subterfúgio ou fuga. Há enfrentamento e inteireza, nos seus olhares como em todas as suas ações.



(a poesia de tanta delicadeza me seduz; em meio ao espetáculo me percebo há muito sequestrada por aquele mundo de pequeninas belezas colecionadas.)



Nenhuma palavra é dita. Mas a atenção dada a cada gesto nos faz ver e sentir o quanto tudo naquela história é vital. Uma vitalidade que não vem de esforços físicos, de desperdícios e transbordamentos de energias. Há silêncio. Há a noção de si mesmo e do outro. Há a tristeza pungente por alguém que partiu. E uma brincadeira de roda que faz olhar (com medo? com expectativa?) para aquele caminho trilho de trem imaginário mas tão presente por onde a amiga se foi.



A direção, com um trabalho de atores extraordinariamente competente e generoso, sabe compor a cena a partir de gestos cotidianos e comuns àqueles atores, tornando-os extracotidianos pela composição de cenas de grupo de uma força – como direi? –de um impacto pleno de suavidade e delicadeza.



É uma direção que sabe aproveitar o melhor de seus atores. E quando uma cena nos oferece, assim, o seu melhor, nós, espectadores, nos sentimos gratos e tocados por essa generosidade.



Cabe aqui dizer o quanto dessa força e poesia também emerge do belíssimo trabalho de figurino e trilha sonora – que, por não serem nominados na ficha técnica, me faz crer tenham sido feitos pelo conjunto de atores e diretor. Roupas, cenário e objetos de cena, todos em tom sépia, criam uma sobreposição de leituras bastante provocadora: são como velhos, que são crianças, que ficaram velhos, e assim as imagens da cena são como fotos antigas feitas de vários negativos sobrepostos, e a gente fica se perguntando para qual estaremos olhando naquele momento...



Porque, sim, acho que eu não citei isso antes: eles são da Maior Idade. Um grupo de terceira idade, melhor idade, idosos. E a idade, cada ano dela, em cada um daqueles corpos, traz peso, força, propriedade, leveza, beleza, vitalidade, atenção, percepção, todas as características que procuramos trazer para a cena como artistas, que buscamos na cena como espectadores. Não citei isso antes porque não faz diferença: o que se vê ali é teatro da melhor qualidade, sem concessões. O grupo Delirivm Teatro de Dança é uma grata presença na cena teatral contemporânea brasileira.







Fonte: Crítica de Sandra Parra




















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